O BRASIL NO QATAR: DA EUFORIA A DECEPÇÃO


Confesso que torcia para escrever um texto diferente. Imaginava falar sobre a conquista do hexacampeonato pela seleção brasileira e a fim do jejum de 20 anos sem ser campeão do mundo, muito tempo quando falamos da seleção recordista de títulos mundiais e o maior símbolo desta competição. Mas terei que abordar mais um fracasso do time brasileiro e um roteiro já muito comum.

Quando me refiro a um roteiro comum, não são apenas as atitudes eufóricas e as declarações de favoritismo da torcida e da imprensa. É obvio que o Brasil, até pela história que tem no torneio, seja sempre um dos candidatos ao título. Falo do ciclo de preparação, o padrão de encantar nos amistosos e em algumas partidas das eliminatórias para no final, na hora da decisão, cair repetidas vezes de forma frustrante. No ciclo para o mundial do Qatar não foi diferente: a equipe treinada por Tite liderou as eliminatórias do início ao fim, venceu bem os amistosos, mas não teve a maturidade necessária para dar o passo que faltava e romper a sina de cair para um europeu no mata-mata.

Dessa vez, o treinador não pode reclamar de muita coisa. Fez um ciclo completo de preparação, teve a disposição uma equipe de preparação física e médica excelente e viu surgir uma nova geração de promessas que renovaram o jogo burocrático do time. O problema foi de capacidade mesmo. Faltou competência para Tite. E numa fase decisiva de Copa do Mundo, isso faz toda a diferença.

Após o mundial da Rússia, o ciclo do Brasil permaneceu praticamente intacto. A estrutura da equipe baseada em Alisson, Thiago Silva, Casemiro e Neymar continuou e o esquema tático também: o manjado 4-2-3-1. E o problema foi justamente esse: ao manter o mesmo esquema, Tite não experimentou novas alternativas e engessou o time. Mesmo o ousado esquema de adiantar os laterais para o meio e a ponta criando uma espécie de 2-3-5 foi pouco utilizado e a relutância do treinador em testar novas peças prejudicou muito o time. Foi preciso perder a Copa América dentro de casa para o maior rival para Tite se mexer e tentar algo novo e mesmo assim, demorou para encaixar os jovens talentos que estavam surgindo, principalmente Vinícius Júnior.

O problema é que os números favoreciam Tite. Ao sustentar o trabalho a partir de números gerais, o treinador tentou se sobrepor ao fantasma de falhar em jogos decisivos. Passeando nas eliminatórias e nos amistosos com uma intensidade maior no ritmo de jogo, o Brasil entrou novamente na tradicional euforia e no favoritismo. Até a liderança do esquisito ranking da FIFA era motivo de otimismo.

E assim o Brasil chegou ao Qatar. O roteiro do mundial foi o mesmo dos anteriores com um bom início que agitou os torcedores e a mídia. Tite mudou o esquema recuando Paquetá para volante e escalando Vinícius Jr na ponta esquerda. O problema é que esse esquema só foi utilizado em apenas um jogo durante o ciclo inteiro. Tite pensou que o talento adicionado de alguns ajustes fosse o bastante. Mas não era. O resultado foi mais previsível ainda: na hora da decisão, o time foi dominado taticamente pela Croácia, tentou equilibrar na base do talento e abafa centrando todas as jogadas em Neymar. O camisa 10 da seleção fez a parte dele, mas em um time que não estava pronto para este momento. A genialidade de Neymar não foi o bastante. No final, bom futebol o Brasil só mostrou no segundo tempo contra a Sérvia e no primeiro tempo contra a Coréia do Sul. Muito pouco para o grande favorito ao título.

E agora vamos aos problemas da equipe em si. Tite optou por levar Daniel Alves aos 39 anos sem jogar a mais de três meses uma partida oficial. Uma tragédia anunciada. A falta de uma liderança mais firme, cerebral, que tivesse imposição suficiente para não permitir o fatídico gol de empate em um contra-ataque na prorrogação. A resistência de Tite em mudar as peças rapidamente para evitar situações ruins se mostrou um defeito que o treinador trouxe do mundial anterior. E finalmente: alguns jogadores, com todo o respeito, não estão à altura da seleção. Fred, Paquetá, Gabriel Jesus e Raphinha mostraram que não adianta nada jogar bem em jogos menores e falhar na decisão. Sinto muito, mas para honrar a tradição brasileira, os jogadores não podem sumir nestes momentos. Se não conseguem fazer isso, que não joguem pela seleção.

O Brasil finaliza mais um mundial com a mesma frustração. Mas o futuro promete algo melhor com a chegada de talentos do calibre de Endrick. A questão é: teremos um treinador capaz no Brasil? Em minha opinião chegou a hora de buscar lá fora. E lembro aqueles que defendem um treinador nacional argumentando que os cinco títulos vencidos foram com brasileiros no comando: por essa lógica de análise, lembro que apesar das cinco taças ganhas, temos também dezessete eliminações.

Encerro esse texto lamentando mais um fracasso da seleção. A tristeza de perder mais um mundial se alia a indignação pela forma como fomos eliminados. Contudo, entendo que ainda podemos formar grandes times apesar de algumas carências na formação de base. Que nos inspiremos nos irmãos argentinos para entender como se joga uma Copa do Mundo. Para vencer, não basta apenas o talento.

 

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