O DILEMA DE TER ANCELOTTI NA SELEÇÃO


 

O Brasil é conhecido como o país do jogo bonito. Somos acostumados a escutar estrangeiros tecerem inúmeros elogios ao estilo de jogo brasileiro e a história e tradição da seleção com o maior número de copas do mundo conquistadas. O futebol que encantou o mundo fez do Brasil um país associado diretamente a alegria, diversão e magia dentro de campo. Um produto cultural.

O estilo que nos consagrou nas vitórias em mundiais ou jogos pelo mundo causou um misto de espanto e admiração nos adversários. Mesmo quando perdíamos em copas éramos aplaudidos por ser fieis ao nosso estilo e nunca deixamos de figurar no topo. As derrotas em 82 e 86 associadas aos títulos de 94 e 2002 mudaram um pouco nosso perfil: o Brasil podia não apresentar o estilo consagrado dos anos 60,70 e 80, mas ainda tinha os melhores jogadores do mundo que mantinham viva aquela arte que conquistou o mundo. Até que o cenário mudou.

Com um jogo mais coletivo, físico e tático, nossa técnica passou a não ser o único fator decisivo dentro de campo. A nossa safra de jogadores fantásticos, que assustavam o mundo a cada lance feito, minguou. Dessa classe restou apenas Neymar. Fomos campeões em 94 e 2002 com times com defesa e meio campo sólido, pragmático e ataques realmente irresistíveis. Bebeto e Romário em 94, Rivaldo, Ronaldinho e Ronaldo em 2002, faziam o Brasil vencedor mesmo que os mais saudosistas reclamassem do abandono do estilo de jogo bonito e da falta dos grandes esquadrões. Agora não temos o estilo nem o jogador acima da média. Continuamos produzindo bons jogadores, mas os extraclasses são cada vez mais lembranças do passado.

Dito isso, faço uma reflexão sobre o desejo da CBF de contar com Carlo Ancelotti a qualquer custo. Ancelotti é conhecido por formar equipes competitivas com defesas e meio campos fortes e ataques eficientes. Sem encanto, a não ser para aqueles que são fãs do pragmatismo. Não critico quem prefere esse estilo, apesar de pessoalmente achar mais atraente e efetivo o jogo ofensivo. O problema é o Brasil achar que Ancelotti é a solução para resgatar nosso prestigio. Se for no aspecto de vencer, o italiano é o cara. Se for para jogar como o Brasil dos áureos tempos, mais antagônico impossível. O dilema é achar um equilíbrio entre o jogo bonito e vencedor.

O Real Madrid de Ancelotti não encanta, assim como o Milan, a Juventus, o PSG e o Chelsea quando foram treinados pelo italiano não encantaram. Mas foram vencedores, tinham o espirito de campeão aliado a consciência tática e o fato de saber exatamente o que fazer para vencer grandes jogos.

Ancelotti é conhecido principalmente por ser um grande gestor de grupos. Nunca protagonizou revolução tática ou técnica que marcasse época ou gerações, mas no cenário do mundo de seleções atual, caracterizado por pouco tempo de convivência e treinamento o que torna o papel do treinador basicamente ser um gestor de grupo, Ancelotti é o melhor do futebol mundial.

O Brasil precisa voltar a vencer o mundial. Em 2026, serão 24 anos de jejum de copas, igualando nossa pior marca, entre 70 e 94. Não temos a mesma fartura de outrora (as laterais que o digam!) mas podemos formar times competitivos que briguem no topo das seleções. Quando a safra de jogadores não é fantástica, o trabalho do treinador torna-se mais importante ainda.

A chegada de Ancelotti seria a continuação de um estilo de jogo que domina a seleção a um bom tempo. Desde Telê Santana em 86, os treinadores da seleção têm como característica principal o pragmatismo. Talvez a única exceção seja Zagallo em 98. Com a chegada de Ancelotti, o modelo de jogo não teria grandes alterações, por exemplo, do estilo proposto por Tite que, a propósito, tem na figura do italiano a grande referência de trabalho para sua carreira.

Se o Brasil quer ser uma seleção ofensiva como nos velhos tempos, que esqueça Ancelotti e vá atrás de outro treinador. Jorge Jesus, por exemplo. O português tem na sua carreira um histórico de montar times agressivos e ofensivos como o Benfica do começo da década passada e o Flamengo de 2019. Se o objetivo for ser campeão, priorizando o resultado e o pragmatismo, Ancelotti é o melhor nome.

Pessoalmente, penso que é muito difícil resgatar o jogo bonito com a pressão de estar a tanto tempo sem ganhar a copa. Acho que no contexto atual que temos e os atletas de que dispomos, montar uma seleção competitiva seja a melhor alternativa. Ganhando o mundial tratamos de mudar a filosofia técnica da seleção. Não existe tempo para realizar uma transformação radical no modelo de jogo quando a seleção mal consegue treinar junta por uma semana.

O desafio do Brasil é competir e dar espetáculo. Também voltar a aproximar-se do torcedor. Não se pode aproximar a seleção do povo jogando na Europa ou em outras partes do mundo e quando atua em solo nacional cobrar 300 reais no ingresso mais barato. Esse é um problema da CBF!

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