GANSO MERECE A SELEÇÃO


Escrever esse texto em abril de 2023 soa como um surto de nostalgia para os que acompanharam o futebol brasileiro no começo dos anos 2010. Naquele período, a opinião pública tinha muitas dúvidas sobre o futuro da seleção brasileira após a era Ronaldo e o ocaso de Kaká, Ronaldinho e Adriano.

Existia apenas uma unanimidade: Paulo Henrique Ganso. O então jovem talento do Santos liderava o meio-campo do time que encantou o país e foi campeão estadual e da Copa do Brasil 2010. Era certeza que Ganso seria o próximo camisa 10 da seleção na década que chegava e referência da jovem equipe que se formava para disputar a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Nem Neymar desfrutava de um prestigio tão grande quanto Ganso, considerado o líder da geração.

Tudo perfeito até que surgiram as lesões no joelho que afastaram Ganso dos campos ainda em 2010. Após a sequência de problemas físicos, Ganso perdeu rendimento e espaço na seleção, onde chegou a ser dispensado por deficiência técnica em 2012, e no Santos, quando foi vendido ao São Paulo no mesmo ano. Dessa época até hoje, o Brasil enfrenta um problema crônico de falta de armadores, camisas 10, enquanto Ganso entrou em uma espiral de oscilações nos times em que defendeu. De repente, o camisa 10 do Brasil nas próximas copas sumiu.

Até que chegamos a abril de 2023. Escrevo com a certeza, e um pouco de surpresa, que Ganso merece uma chance novamente na seleção brasileira. Desde o ano passado que o camisa 10, agora no Fluminense, merece um olhar diferenciado para o seu futebol ainda que abaixo do nível de 2010. Contudo, Ganso agora demonstra mais constância nos jogos e sua confiança claramente aumentou nos últimos meses devido a sequência de partidas sem lesões. É animador.

Ao mesmo tempo que Ganso volta a apresentar bom rendimento e transmite mais confiança ao torcedor, a seleção brasileira continua enfrentando uma séria carência no setor de armação. O camisa 10 pensante não habita mais as convocações por falta de opções. Para se ter uma ideia, em 2002 ficaram de fora da convocação de Felipão para o mundial Alex e Djalminha, dois armadores muito talentosos que teriam vaga certa na atual formação da equipe nacional.

A ausência dessa peça fez o Brasil apelar para Neymar como o armador e ainda que o camisa 10 tenha aprimorado seu jogo neste posicionamento, é claro que a seleção ainda sente falta do cara que comanda o meio-campo, dita o ritmo do time e do jogo, sabe acelerar ou cadenciar o jogo.

Os dois fatores citados acima corroboram com a minha tese. Chegou a hora de dar uma nova para Ganso na seleção. Ele pode preencher a lacuna que falta e que ficou bem evidente nas derrotas dos dois últimos mundiais. Perdemos para Bélgica em 2018 e Croácia em 2022 que tinham esse jogador capaz de mudar o ritmo, no caso De Bruyne e Modric. O Brasil não tinha nem no banco.

Ganso não precisa ser obrigatoriamente titular mas pode fazer parte do grupo, ser uma opção para um time que se acostumou a jogar em velocidade nos últimos anos e não soube superar adversários experientes. Ganso merece ser observado como alternativa pelo bem da seleção e do futebol brasileiro. O último jogo contra o Marrocos prova: Paquetá não tem competência para assumir essa função e Raphael Veiga, outra opção que deve ser testada, não é melhor que Ganso.

Alguns ex-jogadores, como Tostão e Paulo Cezar Caju, já alertaram para o perigo que representa a falta de meia articulador na seleção e seus avisos vem sendo provados nas copas do mundo. Milly Lacombe, talvez a maior defensora do futebol de Ganso, já fez excelentes associações entre o futebol do camisa 10 e a poesia em suas colunas no Uol Esporte. Mesmo sem a intensidade moderna exigida nos jogos atuais, Ganso tem algo que parece em falta: Talento.

O texto que escrevo pode parecer um arroubo saudosista do homem que cresceu vendo alguns dos camisas 10 clássicos do Brasil, como Alex e Rivaldo, ou do pesquisador que leu histórias e crônicas incríveis das façanhas de camisas 10 brasileiros que cobriram o mundo de encanto. Pode ser tudo isso, mas é inegável que o futebol de Ganso faz por merecer atenção da seleção.

Desejo que o próximo treinador o observe com atenção. Ganso representa um Brasil antigo, que não existe mais, um time que perdia mais por falta de sorte do que por falta de referências no campo. Neymar não pode ser a estrela solitária da função. O Brasil ainda tem um maestro: Paulo Henrique Ganso.

 

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